Não gosto da terceira pessoa. Mas por pura vergonha, uso-a agora. Quem escreve neste blog há de se desculpar pela demora na atualização. Baseando-me no longo hiato a que André Takeda, um jovem autor gaúcho, forçou seus leitores, me dei conta da irresponsabilidade que é deixar sem novidades aqueles que seguem suas escritas. Ainda que isso soe como uma tremenda arrogância.
E na vasta lista mental que tracei nesta pausa sobre futuros temas, me dei conta da injustiça de ter esquecido o Trensurb. Vou tentar corrigir o erro agora.
O Trensurb é uma linha férrea que sai do centro de Porto Alegre, rasga três cidades inteiras e vai terminar no coração de São Leopoldo. Em pleno Vale dos Sinos, acidente geográfico cortado pelo Rio dos Sinos - que leva esse nome por conta de sua sinuosidade.
É chamado por alguns muitos de metrô, mas para um paulistano trata-se de um trem de subúrbio. E é exatamente isso que ele é. Carrega diariamente milhares de pessoas vindo e indo a localidades da Grande Porto Alegre.
É também palco de algumas das cenas mais pitorescas que testemunhei nesse ano que passei por aqui. Como a noite de domingo em que vi um sujeito extremamente afetado, homossexual, sem dúvida - e juro, está é uma constatação isenta de preconceito - que trajava um figurino saído diretamente dos anos 80. Mas o que chamou a atenção foi a ternura com que ele conversava e tratava seu filho, um garoto de uns 12 anos. Comportamento de emocionar, no mínimo. Mas essa história fica para o futuro.
O Trensurb - realização do governo federal - passa longe de um metrô. Nunca é subterrâneo e poucas vezes é suspenso. Sai da Estação Mercado em Porto Alegre, às margens do Guaíba, e segue rumo a São Leopoldo.
Nos horários de pico, a gentileza gaúcha - já abordada aqui - dá lugar a afiados cotovelos procurando entrar antes para garantir lugares nos poucos assentos. Os trens, fabricados pela japonesa Hitachi, datam de 1984. Não dá pra dizer que não estejam conservados, mas aqueles vagões já viram dias melhores. O chá está bem gasto, mas a disposição dos bancos, longitudinais, e a presença de bagageiros que acomodam mochilas e bolsas, facilita a viagem.
Não desenvolvem uma velocidade de metrô, e o trajeto completo é feito em cerca de 45 minutos. E assim os vagões vão dançando ao lado do rio, depois beirando a rodovia por Canoas, Esteio e Sapucaia, as três cidades depois de Porto Alegre para quem segue até Novo Hamburgo.
Até aqui as estações são mais antigas. Mal conservadas e mal ilumidas, à noite, chegam a assustar. São também muito longas, demais para os quatro vagões da composição, fazendo com que as pontas sejam completamente despovoadas. Em São Leopoldo são mais novas e modernas.
Os passageiros em geral aparentam ser trabalhadores, velhos conhecidos de chão de frábrica e uns tantos estudantes, já que o trajeto inclui os arredores de uma porção de universidades. Chama a atenção a quantidade de gente lendo. Dan Brown, Paulo Coelho e outros descartáveis - e juro, está é uma constatação cheia de preconceito - passam diariamente por ali.
O predileto é o Diário Gaúcho - versão popular da Zero Hora e concorrente d'O Sul. Certa vez vi até um sujeito com as mãos sujas de graxa estudando as páginas de um livro de filosofia. No meu caso, Jonathan Coe e jazz moderno andam minimizando a monotonia da viagem.
Ainda assim é um dos meios de transporte mais eficientes que já vi. Pontualidade britânica nos trens e uma simpatia nada robotizada nos condutores, que usam roupas comuns, anunciam as próximas estações e desejam bom dia no início da viagem.
- Estação terminal São Leopoldo. Solicitamos que desembarquem. Tenham todos uma boa noite!
É aqui que eu fico.