O presidente flanelinha
- Porto Alegre é terra de mancos e loucos. Isso quando não são os dois em um só.
Quem me disse a pérola foi meu irmão. Veio passar uns dias por aqui com minha cunhada. Não podia estar mais certo. É o que mais tem aqui pelo centro: mancos e loucos. Adicione aí uma pitada generosa de velhas de pele enrugada e verde e cabelo dourados: dondocas que se acham Dorian Gray. E esse é o centro.
Saquei isso logo que vim pra cá a primeira vez. Estava sentado numa praça que meses depois seria minha vizinha. Plena terça-feira chuvosa. Não era nem meio-dia e se aproxima um sujeito com pinta de quem tinha banda cover do ZZ Top. Vem se aproximando, conversando, sozinho.
- Opa, terias fogo, meu galo?
Respondi com a cabeça e saquei o isqueiro. O barbudo, sem se acanhar, vira-se para o lado - que continuava vazio - e solta:
- Pô, e não é que ele tem mesmo. Tu estavas certo.
Acendeu o cigarro agradeceu e se foi. Conversando com o vazio.
Passaram-se meses e eu já estava morando aqui. Voltando pela Andradas, ao lado da Casa de Cultura Mário Quintana. O local, o antigo Hotel Majestic, era do Paulo Roberto Falcão e acolheu - de graça - durante anos um já miserável Quintana. O térreo é ocupado por salas de cinema e alguns janelões foram preservados como murais para cartazes e recortes dos filmes em cartaz. Esses janelões são ligeiramente mais recuados na calçada. Ou seja, alguem que se enfie ali custa a ser visto.
Era tarde da noite e vi um vulto masculino enfiado. Logo pensei que o sujeito estivesse "fazendo mal" a alguma donzela desfrutável. Me aproximei sem dar muita bola e me virei para ver o que acontecia. O sujeito estava sozinho fazendo juras de amor e beijando o vidro da janela. E as declarações não saiam pastosas, embriagadas. Era tudo com muita convicção. Amor real.
Mas meu louco predileto é o presidente flanelinha. Apelidei ele assim porque é a cara do presidente iraniano Mahmoud Ahmadinejad, e cuida de carros. Não diz coisa com coisa, nunca. E sempre está falando sozinho. Às vezes me chama de senhor e me pede um cigarro. Não reclamo porque ele certamente não lê esse blog, por isso não sabe que odeio ser chamado de senhor.
O presidente mora no andaime de um esqueleto de uma casa colonial cuja fachada é o último vestigio de sua existência. Telhado, paredes, tudo se foi. A fachada está lá, na esquina da João Manoel com a 7 de Setembro. Embargada por alguma lei municipal que não permite demolições mas também não financia a reforma. Escala diariamente um tronco que escora o andaime.
Seu dircuso não tem nada de ideológico, mas critica e muito a classe dominante. Odeia ricaços que fazem pose mas são pedófilos. E tem nojo de dondocas que se fazem de boa esposa e dão para o jardineiro.
Dia desses estava sentado na soleira de uma porta e um Vectra pilotado por uma loira de seus 40 anos se preparou para sair. Ela abriu o vidro e estendeu a mão com algumas moedas. O presidente não se moveu. Só disse:
- Senhora, me desculpe mas não vou levantar. Estou com uma tremenda dor na bunda.
Horrizada, a mulher se foi. Olhei pra ele com uma cara de descrédito. O presidente flanelinha só riu e disse:
- Senhor, aquele cigarrinho?
Louco! Louco é o caralho.
3 comentários:
nao dava para esperar outra coisa se ele se parece com o Ahmadinejad. Mas ele, com certeza, ainda nao consegue bater o verdadeiro Bush!
Muito, muito bom.
Estás virando um verdadeiro cronista da capital gaúcha... apenas, por favor, para eu não ter que consolar ninguém... não faça nada mais gaúcho além disso e uns assados!
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